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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Recorda-te de Silves a “Xelb” islâmica





                  Como falar de ti Silves

                  Sem que uma lágrima me caía

                  Como a do enamorado enternecido.

                  Ou de ti, Sevilha,

                  Sem um suspiro de ansiedade?

                  Sois terras vestidas, pela chuva fina,

                 
                  Com a túnica da mocidade,

                  A mocidade que se desvaneceu

                   Quando me furtou meus amuletos

                  Assaltou-me a memória dos amores ardentes

                  Como se me consumisse um lume violento,

                   No mais profundo deste meu coração.

                 
                   Oh noites minhas de antigamente!

                   Que me importavam censuras dos críticos!

                   Nada me desviava do amor mais louco.

                   A insónia vem-me de uns olhos lânguidos.

                   E sofro por uma silhueta de esbelto talhe...
                                                                 
                                                                       Al-mu’tâmid

sábado, 24 de setembro de 2011

O Pedinte



Uma pobre criatura,
Que vive sem nada ter,
Para a fome não tem cura,
Por não ter para comer.

Para poder sobreviver,
Come os restos que lhe dão.
Mas para isso acontecer,
Tem que estender a mão.

Estende a mão a pedir.
Mas nunca lhe dão nada.
E o que continua a sentir,
É uma fome malvada.

Transformado em pedinte,
Que pede para não morrer.
Passam por ele mais de vinte,
Que nada lhe dão para comer.

O facto de não ser notado,
Faz com que ninguém o visse.
Simplesmente ignorado.
Como se não existisse.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Lendo a tua mão


Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio...

Ribat da Arrifana - Aljezur - Algarve

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Descalça as sandálias




Tira as sandálias e ascende altivo
acima das estrelas cintilantes!
une-te à Verdade!
quem as desprezou
ficou chorando por todas as coisas.
o olhar do mais firme
- tal como o céu -
convoca a beatitude da verdade clara.
descalça as sandálias sinceramente,
desde os umbrais do esplendor.
une-te ao Ser!
vale-te mais essa união
que todas as provas da Razão.
quem viu o que eu gritei à multidão
àcerca da realidade da união
tem de deixar o mundo da dualidade
que são duas sombras sob o sol.
o espírito venceu a dôr ao aproximar-se do distante.
ò mãe dos meus irmãos!
o Amado é o meu lado!
ò povo! se a paixão me der a morte
toma o meu amor, como vingança,
e vinga-me!

Ibn Qasî

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O cavalo voador



Conta um lenda que certa vez dois ladrões foram presos e levados a presença do sultão.
 Pelas leis do Islão o roubo é punido com amputações ou com a morte.
No caso dos dois a pena seria capital.

Antes o sultão perguntou qual seria o último desejo.
O primeiro ladrão pediu uma refeição de rei com tudo que teria direito. Foi atendido.
O segundo pediu ao sultão que não o matasse agora pois ele poderia fazer seu cavalo voar.

Todo mundo sabe que os árabes são apaixonados por cavalos e o sultão não fugia a regra.
Curioso, o sultão perguntou ao homem quanto tempo ele precisaria pra isso.
O homem disse que seriam necessários dois anos. Após isso poderia matá-lo.

O sultão pôs-se a pensar. Enquanto o sultão pensava o primeiro ladrão ficou curioso e disse:
- “Vc está louco? Você sabe que cavalos não voam!”
- “Você está certo...” Completou o segundo ladrão.
 “Mas você esqueceu que ainda tenho três ou quatro chances de sair vivo e você morre amanhã bem cedo.

Retrucou o segundo ladrão.”
- “Mas que chances são essas?” Perguntou o primeiro.
- “Simples: em dois anos pode acontecer muita coisa.
O sultão pode morrer, o cavalo pode morrer ou eu posso ser o primeiro na história a conseguir fazer o cavalo voar.”
 Finaliza o segundo ladrão...

O rochedo coberto de areia



Havia outrora, um rei muito rico e orgulhoso.

Todos os dias deixava o monarca o grande palácio em que vivia e, fazendo-se acompanhar de uma aparatosa guarda de cavaleiros, percorria as ruas da cidade distribuindo esmolas, atirando moedas de ouro aos pobres e necessitados.

- Como é caridoso o rei! - diziam. - Quanta bondade! Que coração magnânimo?

E não se apontava um só habitante capaz de negar as qualidades altruísticas do dadivoso soberano.

Um dia surgiu na cidade um velho sacerdote que andava pelo mundo em peregrinação, ensinando aos homens as grandes verdades do livro de Deus.

Ao notar a ostentação descabida com que o rei dava esmolas e a maneira espetaculosa como exercia a caridade, o bom ancião observou:

- A caridade no coração desse rei vaidoso é como a areia atirada sobre o rochedo nu!

E, como os seus numerosos ouvintes não tivessem percebido o sentido exato de suas palavras, ele explicou:

- Aquele que dá esmolas por ostentação é semelhante ao rochedo coberto de areia. Vem a chuva, lava a pedra lisa, e não se encontra depois senão a rocha dura e inabalável. Assim, o coração desse rei é duro como o rochedo; há apenas, sobre ele, essa poeira de esmola feita de vaidade e ostentação!

Bem dizia o poeta:

 “Se queres que a caridade avulte
e se engrandeça aos olhos do Senhor,
leva na mão benfazeja
socorro a quem quer que seja, conforto seja a quem for.
Mas dize à mão que se oculte para que o mundo a não veja...”

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Profissão de fé



Invejo o ourives, quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto-relevo
Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.

Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito.

Porque o escrever – tanta perícia,
Tanta requer,
Que ofício tal... nem há notícia
De outro qualquer.
                                 
                                                                    Olavo Bilac

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Abú Bakr Muhammad ibn 'Ammar ( ابن عمار ‎)



Minh’alma quer-te com paixão

Ainda que haja nisso uma tortura

E alegre vai na ânsia da procura.

Que estranho ser difícil nossa ligação


Se os desejos d’ambos concordaram!

Que quereria mais meu coração,

Ao desejoso te buscar em vão,

Se meus olhos te viram e amaram?


Allah bem sabe que não há razão

De vir aqui senão para te ver.

Que o vigia não nos possa achar

Se o nosso reencontro acontecer


P’ra os teus lábios doces eu provar.

Folgarei no jardim da tua face,

Beberei desses olhos o langor,

E mesmo que um terno ramo imitasse


O teu talhe grácil, sedutor,

Valerias mais que o imitador.

Não te ocultes, oh jardim secreto:

Quero colher meu fruto predilecto!
                                                   
                                                  Ibn ‘Amar

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Dança do sabre



Certa vez uma bailarina e seus músicos, haviam ido até a corte do Príncipe de Birkasha.
Assim que entrou no palácio, dançou diante do príncipe, ao som do alaúde, da flauta, das tablas e tambores, e da cítara.

Bailou a dança das estrelas e a dança do sabre, por último a dança das flores ao vento. Logo parou diante do Príncipe e inclinando-se, fez-lhe uma reverência.

O príncipe emocionado, pediu que a bailarina se aproximasse, e assim disse:

"Bela mulher, filha da graça e do encanto, de onde vem tua arte?
Como dominas a terra e o ar em seus passos, a água e o fogo com seu ritmo e cadência?"

A odalisca se inclinou de novo ante o Príncipe e respondeu:

"Vossa alteza, não estou segura quanto à resposta a sua pergunta, mas sei que a alma do filósofo vive em sua mente, a alma do poeta em seu coração, e que a alma do cantor vibra em sua garganta.
E a alma da bailarina, vive em todo seu corpo".

A maneira de dizer as coisas.



Certa ocasião, o sultão sonhou que havia perdido todos os dentes.
Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse seu sonho.

- Que desgraça, senhor! - exclamou o adivinho.
Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade.

- Mas que insolente! - gritou o sultão, enfurecido.
Como te atreves a dizer-me semelhante coisa?
Chamou os guardas e ordenou que lhe dessem cem acoites.

Mandou que trouxessem outro adivinho e lhe contou sobre o sonho.
Este, após ouvir o sultão com atenção, disse-lhe:

- Excelso senhor! Grande felicidade vos está reservada.
O sonho significa que haveis de sobreviver a todos os vossos parentes.

A fisionomia do sultão iluminou-se num sorriso e ele mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho.

E quando este saía do palácio, um dos cortesãos lhe disse admirado:

- Não é possível !
A interpretação que você fez foi a mesma que o seu colega havia feito.
Não entendo porque ao primeiro ele pagou com cem acoites e a você com cem moedas de ouro.

- Lembra-te meu amigo - respondeu o adivinho - que tudo depende da maneira de dizer...

domingo, 11 de setembro de 2011

Oração



Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte!
O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!
Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também.
Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo.

Dá-me alma para te servir e alma para te amar.
Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu.
Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus
propósitos.
Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

Minha vida seja digna da tua presença. 
Meu corpo seja digno da terra, tua cama. 
Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me.
Dá-me que eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de mim.

                                                                                                                  Fernando Pessoa

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A lenda de Sissa


Certa vez um sultão que vivia extremamente aborrecido ordenou que se organizasse um concurso, em que seus súditos apresentariam inventos para tentar distraí-lo.

O vencedor do concurso poderia fazer qualquer pedido ao sultão, certo de que seria atendido. Estava de passagem pelo reino um sábio de nome Sissa.

Apresentou este ao sultão um jogo maravilhoso que acabara de inventar: o xadrez.

Entusiasmado com o jogo, o sultão ofereceu ao sábio a escolha de sua própria recompensa.

- Que teus servos ponham um grão de trigo na primeira casa -disse Sissa - dois na segunda, quatro na terceira, oito na quarta, e assim sucessivamente, dobrando sempre o número de grãos de trigo até a sexagésima quarta casa do tabuleiro.

O sultão concordou com o pedido, pensando que alguns sacos de trigo bastavam para o pagamento.

Sua alegria porém durou somente até que seus matemáticos trouxeram os resultados de seus cálculos. O número de grãos de trigo era praticamente impronunciável.

Para recompensar Sissa seriam necessários exatamente 18.446.744.073.709.551.615 grãos detrigo.

Observando a produção de trigo da época, seriam precisos 61.000 anos para o pagamento de Sissa!

Incapaz de recompensar o sábio, o sultão nomeou Sissa Primeiro-Ministro, retirando-se em seguida para meditar, pois o xadrez ensinava a substituir o aborrecimento pela meditação.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Eremita - No alto da montanha



Sentado no alto da montanha, vejo nuvens, pássaros, terras
Ali me torno imortal.
Sou uma fera que se alimenta de sonhos
Em silêncio construo reinos...
Em pensamento destruo ídolos

Não quero virtudes.
Quero apenas os acasos, os incertos
Sem medo da morte respiro bem fundo.

Acima das nuvens quero estar
Banhar-me com o sangue que jorra do teu medo.
Apenas o imperfeito da vida, do opróbrio na existência...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Cavaleiro monge.



Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,

Por casas, por prados,
Por Quinta e por fonte,
Caminhais aliados.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,

Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,

Por quanto é sem fim,
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.
                                           
                                                Fernando Pessoa

Parte com o vento...



Vai, meu amigo
parte veloz e alegre com o vento
Fecha os teus olhos
descansa breve no meu regaço

Não sintas medo
sente antes o calor do meu afago
Não sofrerás mais a sede,
não sentirás mais cansaço

Parte com o vento
e deixa viva a tua memória, comigo

Voltarás a ser grão de areia
e mesmo que, para longe te leve o vento
mesmo que ele te espalhe
pelos quatro cantos do deserto

Saberei,

sempre que encher a mão de areia fina,
que sentirei presente o teu espírito,
que estarás sempre, sempre por perto
Celebrando com saudade
a intensidade e beleza do momento

Vai, parte com o vento

não olhes para trás
mesmo que pressintas minha mágoa
não te voltes
não quero que vejas a tristeza
nos meus olhos razos de água...

ScaliBuris

sábado, 3 de setembro de 2011

Evocação de Silves


Saúda, por mim, Abu Bakr,
Os queridos lugares de Silves
E diz-me se deles a saudade
É tão grande quanto a minha.

Saúda o palácio dos Balcões
Da parte de quem nunca os esqueceu.
Morada de leões e de gazelas
Salas e sombras onde eu

Doce refúgio encontrava
Entre ancas opulentas
E tão estreitas cinturas!
Mulheres níveas e morenas

Atravessavam-me a alma
Como brancas espadas
E lanças escuras.
Ai quantas noites fiquei,
Lá no remanso do rio,
Nos jogos do amor

Com a da pulseira curva
Igual aos meandros da água
Enquanto o tempo passava…

E me servia de vinho:
O vinho do seu olhar
Às vezes o do seu copo
E outras vezes o da boca.

Tangia cordas de alaúde
E eis que eu estremecia
Como se estivesse ouvindo
Tendões de colos cortados.

Mas retirava o seu manto
Grácil detalhe mostrando:
Era ramo de salgueiro
Que abria o seu botão
Para ostentar a flor.
                                           Al – Mu’tamid
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