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sábado, 2 de março de 2013

A Lenda da Bela Salúquia



“Minha terra de sol e amendoeiras/ E de moiras, ardentes feiticeiras/ Encantadas no fundo das cisternas/ Fui num berço de fadas embalada/ Na terra moira que me viu nascer./ Fui eu, talvez, a última encantada/ Ouvindo as fontes ao entardecer...” (Nita Lupi).

As lendas de mouras encantadas são um caso verdadeiramente especial de literatura popular. Estas narrativas lendárias só aparecem na Península Ibérica e no Sul de França, regiões que, desde o século VIII, acolheram as invasões muçulmanas, sendo, evidentemente, muitíssimo mais significativas de Norte a Sul de Portugal e em Espanha.
Portugal, do Al-Andalus de tão lauta glória e drama, se todas as considerações de ordem geral conhecidas não fossem já suficientes, tem razões adicionais para olhar com especial interesse para o mundo árabe. É que, ao fazê-lo, olha para si próprio. O povo, no seu espírito gracioso, não esqueceu a herança árabe e esse imaginário de singular fascinação, de que as lendas são o melhor repositório. Continuou a perpetuar, de avós para netos e para os filhos destes, as histórias que ficaram agarradas ao nosso solo, em comunhão com os nossos lugares, arreigadas à alma das gentes, presas ao coração e que perduram ainda, através deste pitoresco de afinidades e da maravilhosa sentimentalidade popular portuguesa. Maravilhosa pela cálida mensagem de amor que encerra e pelo perfume de poesia de que se reveste.
Encantamentos ligados à mística solar (os cabelos louros, as meadas de ouro, os tesouros, o solstício de Inverno, a regeneração intrínseca, a fertilidade interminável e cíclica), ao ciclo lunar (as trevas, o recolhimento, o solstício de Verão), à natureza que se interpenetra, à terra, às fragas, à água, a tudo, enfim, quanto é mutável pela força do tempo e da própria vida. E a lenda, que não pode faltar onde existam coração e alma, lá está perpetuando a recordação e os panoramas de feitiço.
Não há dúvida que as lendas árabes constituem uma parte significativa do folclore português. Essas lendas são, invariavelmente, histórias de amor cristão e muçulmanas ou vice-versa, em que os personagens são vítimas de um tempo intolerante para com os sentimentos dos amantes separados.
Aclamada de «vila florida do Baixo Alentejo», Moura está situada no além-Guadiana, banhada pelas ribeiras de Brenhas e Roda, que se unem antes de entrar no rio Ardila, e dista alguns quilómetros de Serpa. O seu passado caminhou, muitas vezes, paralelamente ao desta. Facilmente somos reportados para um tempo distante, onde as vicissitudes de uma época passada marcada pelas acções dos invasores anteriores e posteriores ao período romano, deixou o seu registo indelével na organização do território, à medida que esta zona se foi gradualmente incorporando no solo português. Do passado mouro guarda reminiscências em cada pedaço de arquitectura, nas lendas e nos cantares, nas suas gentes. Do casario, moldado a taipa ou adobe, ressalta o branco, apenas interrompido pelos tons ocres de uma ou outra fachada, criando texturas que nos transportam ao norte de África. Já os pátios interiores, os ferros forjados nas janelas e os lanternins – pequenas fretas para entrar luz e ar – lembram influências andaluzas.
Recebe de Afonso III o seu primeiro foral e os sucessos da sua primitiva conquista aparecem frequentemente associados a uma lenda que fala de uma formosíssima moura chamada Salúquia, filha do grande e poderoso Abu Hassan, governador de certa praça forte que os cristãos ambicionavam conquistar. E nas noites bonitas, em que a terra se prateava de luar, a bela Salúquia cantava simples e ingénuas “romanzas” antigas que deixavam os homens enamorados...
Corria o ano de 1226, Salúquia estava para casar com Braffma, um jovem nomeado para alcaide do castelo e governador da vila espanhola de Arronches, a antiga Arucci Vétus. Certo dia, estando Salúquia à sua espera para comemorar a boda, debruçada de uma torre de Azmi, atirou-se dela ao saber-se vítima do logro por que passara. As hostes cristãs, comandadas por D. Álvaro e D. Pedro Rodrigues de Gusmão, que se encaminhavam sigilosamente para conquistar a povoação, haviam morto numa emboscada o noivo e companheiros numa cavalgada. Envergaram as suas vestes e, fazendo-se passar por aqueles, entraram pela calada da noite no castelo. Salúquia fugira assim ao jugo dos portugueses acompanhando na morte o seu amado. Tal é a história lendária da bonita cidade de Moura, anteriormente apelidada de Arucci-a-Nova e depois Al-Manijah. Em memória dela, as armas da vila representam uma torre brasonada com uma mulher lançando-se por uma janela de chaves na mão.
Moura foi desde muito cedo uma povoação fortificada. O rei D. Dinis consegue os direitos definitivos de Moura em 1295 e promove a remodelação do castelo tal como acontecera em Serpa, embora este apresentasse dimensões mais reduzidas. Foi erguido na sequência do foral dado à povoação por D. Manuel I. Segundo o desenho feito por Duarte d’Armas, no seu «Livro das Fortalezas», o castelo era composto por uma grandiosa torre de menagem que se erguia no terreiro, circundado por uma muralha torreada.
È provável que a primitiva muralha defensiva não fosse dupla. Mais tarde, com as guerras da Restauração, o castelo sofre delapidações várias, ainda que menos do que a fortaleza. Quando se procedeu à sua reconstrução, esta respondeu já ao modelo matriz de construção abaluartada adaptada às novas exigências da artilharia utilizada, rentabilizando ao máximo a eficácia da defesa, até à significativa destruição provocada pelo terremoto de 1755.
As brumas do tempo conservam na memória as histórias do Castelo de Moura, fiel retrato da nossa nacionalidade, alfobre pejado de lendas, estórias, guerras e crueldades, mas igualmente de pactos, alianças e amizades, palavras, cumplicidade, sabedoria, beleza e tolerância, aventura, romance e mistério. E da pedra branca – e que depois se fizera vermelha – do mágico e singular perfume de Salúquia, guardada por um jovem desconhecido como lembrança da bela moura, nada mais se soube, nem mais se saberá...

Prestimosa colaboração de António Rodrigues.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Tariq ibn Zyhad conquistador do Al-Andaluz




Tariq ibn Zyhad  general berbere ao serviço de Musa ibn-Nusair, governador Omíada do Norte de África (Magrebe), comandou em 711, a conquista da Península Ibérica, ocupada até então pelos visigodos .

A 30 de Abril de 711, o exército de Tárique desembarcou no rochedo a que posteriormente se chamou Djebel el-Tarik ou Jabal Tariq ("monte de Tarique"), que hoje é conhecido como Gibraltar. Depois de ter todo o exército em terra, conta-se que mandou queimar os navios e teria dito aos seus soldados:


"Oh, meus guerreiros, para onde podeis fugir? Atrás de vós está o mar, diante de vós, o inimigo. Só vos resta a esperança da vossa coragem e da vossa determinação. Lembrai-vos que aqui sois mais afortunados que o órfão sentado à mesa do patrão avaro. Vosso inimigo está diante de vós, protegido por um exército inumerável. Ele tem homens em abundância, mas vós, como único recurso, tendes vossas próprias espadas... Não acrediteis que eu pretenda incitar-vos a enfrentar perigos que eu próprio me recuse a partilhar convosco. Durante o ataque, estarei na frente, onde a chance de sobreviver é menor."

As tropas mouras, quase unicamente constituídas por berberes, invadiram o reino visigótico e obtiveram uma vitória decisiva a 19 de Julho de 711, na Batalha de Guadalete (em Jerez de la Frontera), onde foi morto o rei Rodrigo dos visigodos.

Seguiram-se as tomadas de Córdova e de Toledo, em Outubro do mesmo ano. Pouco depois receberia reforços de Musa ibn-Nusair. Com este, apoderou-se de quase toda a península. A tomada de Saragoça é o marco do final desta conquista.

Tarique teria sido governador das terras conquistadas, mas por pouco tempo. Musa teve contratempos políticos e Tarique o acompanhou de volta a Damasco, onde Tarique morreu, em 720.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Conto Sufi


 Parábola

Um Mestre Sufi contava sempre uma parábola no final de cada aula, mas os alunos nem sempre entendiam o seu significado.

- Mestre, - perguntou um deles, certo dia 
- tu contas-nos contos mas nunca nos explicas o que significam.

- As minhas desculpas. - disse o Mestre - Como compensação, deixa-me que te ofereça um belo pêssego.
- Obrigado, Mestre - disse o discípulo, comovido.

- Mais ainda: como prova do meu afecto, queria descascar-te o pêssego. Permites que o faça?- Sim, muito obrigado. - disse o discípulo.

- E, já que tenho a faca na mão, não gostarias que eu cortasse o pêssego em pedaços, para que te seja mais fácil comê-lo?- Sim, mas não quero abusar da tua generosidade, Mestre...

- Não é um abuso; sou eu que me estou a oferecer. Quero apenas agradar-te. Permite-me também que mastigue o pêssego antes de to oferecer...

- Não, Mestre! Não gostaria que fizesses isso! - queixou-se o discípulo, surpreendido.

- O Mestre fez então uma pausa e disse:
- Se vos explicasse o sentido de cada conto, seria como dar-vos de comer fruta mastigada.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

ITIMAD



nvisivel a meus olhos, sempre estás presente no meu coração.

T ua felicidade seja infinita, como meus cuidados, minhas lágrimas e minhas insónias.

ndomável que fui, agora me submeto aos teus desejos mais simples.

M eu anseio, a cada momento, é ter-te a meu lado: Oxalá possa consegui-lo cedo.

A miga do meu coração, pensa em mim e não me esqueças, mesmo que minha ausência seja longa.

D oce é o teu nome. Acabei de escrevê-lo, e de traçar estas amadas letras: ITIMAD .

                                                                                                               (Al Mutamid)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Lenda do rio arade




Rio Arade, rio Arade,
Diz a voz da tradição
Que uma moira aqui chorou,
Trazida por Rei Cristão...

Foi em tempos tão remotos,
Em tempos que já lá vão,
Que a luta era mais acesa
Entre a Cruz e o Alcorão...

Era tudo fogo e ferro,
Em chamas ardia o chão,
E, a blasfêmia proclamada,
Carecia de perdão...

E se Cristo alçava a cruz
Aos valentes portugueses,
Allah, de longe, incitava
Os moiros, algumas vezes...

Os dias assim passavam,
Tão negros, sem exagero,
Que nada ali mais se ouvia
Que as vozes do desespero...

Quebravam-se alfanjes moiros,
Duras lanças portuguesas,
Nesses combates hostis,
Pelos montes, por devesas...

E diz a lenda, ela sempre,
Que o sangue que o chão bebia
Numa fonte mais à frente,
Muitas vezes, apar’cia...

É por isso que ainda hoje,
Até por gosto bizarro,
Se apanho terra de Silves,
É vermelha, cor de barro...

Vamos ao que mais importa
Nesta longa narração:
Saber o que aconteceu
À moita e ao rei cristão...

Era um dia, ao sol poente
Brilhavam núvens nos céus,
E El-Rei das hostes cristãs
Rezava, sózinho, a Deus.

Senão quando, senão quando
Junto de si apar’ceu
Uma visão, a mais linda,
Vinda lá dum outro céu.

Pronto El-Rei ali quedou
A fervorosa oração;
Logo, também, inquiriu:
— “Quem és tu, aparição?...

— “Eu sou Fhatma, a engeitada;
“Não tenho pai, nem irmãos,
“E assim me dou, pura e virgem,
“Ao forte Rei dos cristãos...

Levou-a El-Rei consigo,
Na garupa do cavalo;
Prestes, dela se tomou,
Não seu Rei, mas seu Vassalo...

E, numa curva do rio,
Num lugar que é Encherim,
Entre flores de laranjeira,
El-Rei lhe falou assim:

— “Tu és flor ou és mulher?...
 “És verdade ou tentação?...
 “Tu, que és moira, quer’s ficar
“Aqui no meu coração?.,,

Era a moita só ternura,
E sorria como ainda
O guerreiro outra não vira
Sorrir, morena e tão linda...

Mas Fhatma ali respondeu:
— Sou mulher, mas, se me queres,
Sou só tua, apenas tua;
‘Faz de mim quanto quiseres!...

Abraços assim e beijos
Não foram jamais trocados,
Nos tempos vindos depois,
Nem nos tempos já passados...

Porque o amor não era amor,
Era coisa tão sem nome,
Como a água que mata a sede
Ou o pão que mata a fome.

Foi-se El-Rei de novo à guerra
E a princesa, porque o era,
Ficou-se, naquele vale,
Sempre à espera, sempre à espera...

Passaram tempos vindouros,
Longa noite, longo dia,
Mas EI-Rei não mais voltou
Para ver quem não o via...

E a moira que filha fora
Do príncipe Ben Ahr-ade,
Foi-se, a pouco, ali finando,
Só chorando de saudade...

Lágrimas do céu bebia,
Nas longas noites chuvosas,
Para as transformar, depois,
Noutras bem mais copiosas...

Eis, assim, foi engrossando
Aquela magra ribeira,
Onde a moira se quedara,
Mais chorosa, à sua beira...

Os tempos foram passando,
Mas a ribeira era agora
Um rio que ia morrer
Noutras águas, mar em fora...

Logo o vulgo, sempre o vulgo,
Depois, para a eternidade,
Ali mesmo baptizou
O rio, de Rio Arade...

Por isso, nos meus ouvidos,
Em longas noites de v’rão,
Ainda ouço alguém cantar
Aquela estranha canção:

— “Rio Arade, Rio Arade,
“Diz a voz da tradição
“Que uma moira aqui chorou,
“Trazida por Rei Cristão...

LOPES, Morais Algarve: as Moiras Encantadas

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